COMO O TEMPO PASSA, artigo de Geraldo Magela

COMO O TEMPO PASSA, artigo de Geraldo Magela

Geraldo Magela

O título acima corresponde à tradução de “As Time Goes By”, composição que integra a trilha sonora de um dos clássicos do cinema – “CASABLANCA” -, estrelado por Ingrid Bergman e Humphrey Bogart, na década de quarenta (1942), e que fez e ainda faz grande sucesso entre os apreciadores do estilo romântico.

Tomei a liberdade de pegar emprestado esse título para traduzir aqui, a saudade de um tempo que já vai bem distante e que marcou de alegria e felicidade a minha infância e adolescência, passadas em nossa querida cidade de Óbidos, de onde parti com dezessete anos de idade e, por ironia do destino, no dia do meu aniversário.

Posso lhes afirmar que não foi fácil para mim, ainda adolescente, tendo a pouco tempo inaugurado uma fase de sentimentos no coração, embevecido pela ternura do primeiro amor, ter que me refugiar no camarote nº 9, do navio “Augusto Montenegro”, na companhia do meu pai João Anastácio e de meus irmãos Bella e Eduardo Henrique (dona Altina já estava em Belém), para não ver, de madrugada, a cidade ir ficando e as luzes brincando de se esconder com as matas do Paturi, num melancólico aceno de “adeus”. Só experimentando para ver ou, melhor, sentir. Sinceramente é pior do que acordar de madrugada com enxaqueca. Eu que o diga...

Nessa esteira de reminiscência, outro dia estava perdido em pensamentos, quando me achei olhando a estrada da vida, pelo “retrovisor” da minha existência. Foi então que me bateu uma nostalgia, traduzida na quase certeza de estar vivenciando a desventura do filho pródigo, pois, faz aproximadamente vinte anos que não visito o “torrão”, porém, como relata a passagem bíblica, vou voltar, para rever tudo e a todos e já antecipando quero externar um comovido pedido de desculpas, pela injustificada ausência, uma vez que ora me encontro tomado pelo mesmo sentimento do poeta Gonçalves Dias quando disse “não permita Deus que eu morra sem que eu volte para lá...” – certamente, em viagem de férias, em companhia de minha esposa Cláudia (mineira de Itajubá) e de meus filhos Vívian e Júnior (belenenses), que precisam conhecer essa parte da geografia mundial, haja vista que é lá, justamente, em frente da cidade, que o caudaloso Rio Amazonas faz a sua parte mais estreita e, a pretexto de se tornar conhecido no mundo inteiro, aperta com seus “braços dágua” à cidade presépio, com a nítida intenção de não querer deixá-la, afinal, não é à toa que o remanso corre para cima - fenômeno esse, que somente uma grande paixão é capaz de explicar.

Ainda guardo na memória, sem retoques, a vivência do banco escolar, na fase da alfabetização, sob a orientação da professora Maria da Glória Corrêa Pinto – muito competente e um tanto quanto ríspida -, a qual nos compelia a aprender o “abc” e a tabuada, esta memorizada em forma de cantiga, o que acabava nos atrapalhando, quando a arguição era feita de forma salteada. Por falar em tabuada lembro de um episódio ocorrido naquela época, quando a saudosa mestra, arregalando os olhos; de surpresa e com um timbre de voz carregado nos decibéis, perguntou a um aluno (desculpem-me por não poder declinar o nome): quanto é cinco mais cinco. Como não era permitido contar nos dedos e querendo bancar o esperto, o aluno colocou as mãos nos bolsos do calça curta e rapidamente respondeu: onze. É que ele havia incluído na contagem a sua anatomia de menino.

Passado algum tempo, já na altura do 3º ano primário fui promovido a um estágio mais adiantado de aula particular, de vez que a complexidade das lições exigia um apoio extra, ocasião em que fui estudar na escola particular do Sr. Manoel Valente do Couto - o então conhecido e muito estimado professor Manduca -, o qual, invariavelmente, recebia os seus alunos, qualquer que fosse o turno, trajando um de seus habituais pijamas, sempre impecavelmente limpo e bem passado.

Para treinar a percepção e redação dos alunos, o professor Manduca colocava na parede, uma paisagem de calendário da “Casa Pernambucana”, para que nos fizéssemos a descrição e, nesse começo, para quebrar a tensão que ficava no semblante da gurizada, batia com o cigarro na caixa de fósforos, como que procurando nivelar as pontas do “continental” sem filtro e, balançando as pernas, então, exclamava: “Ai! Ai! Antes morrer do que perder a vida...” e no decorrer dos trabalhos, cantarolava algo do seu repertório gracioso como: “Subi num pé de coco, para espantar um urubu, fiz tanta força que rasguei a calça no... joelho”.  Era o necessário para espocar a gargalhada geral, só tolerada por um momento de descontração. No intervalo, hora do recreio, era permitido ir para o quintal, desde que deixássemos as goiabas em paz, o que era muito difícil, pois, as pipiras ficavam voando de galho em galho, saboreando as mais maduras; dando-se ao luxo de jogar para o chão o que sobrava, como que fazendo “pouco caso” dos atentos e desejosos observadores.

É claro que a vida não era só estudar, pois, ninguém é de ferro. Durante a semana acertávamos uma partida de futebol, geralmente realizada no sábado à tarde, entre a turma do “Quartel” contra a turma dos “Correios”, na mais completa cordialidade, pois uma vez a partida era cá e a revanche era lá, exatamente naquela ponta de terreno que ficava entre o prédio dos Correios e a residência do Sr. Andrade, genitor da estimada professora Gessy. No melhor da animação, com a partida bem disputada, pois ninguém queria perder, eis que em dado momento parava tudo... Era o Manelito trazendo um recado da dona Ermelinda (avó), para que o José Paulo (dono da bola) fosse tomar banho, pois já estava na hora. Quase sempre o portador do recado voltava correndo na frente do destinatário, sob os apupos da galera. Pronto: estava encerrada a peleja.

No dia 7 de setembro - último que passei morando em Óbidos -, realizamos uma partida de futebol à tarde, no campo do Quartel, entre as equipes juvenis do Mariano Futebol Club (único leão que realmente ruge nestas plagas), a qual era formada (incluindo os reservas) com: Paulo Cardoso, Aranha, Fernando Moura, Merunguinha, Luiz Ferreira, Hezedequias, Marcos, Agnaldo, Sátiro, José Paulo, Valdomiro, José Roberto, e eu, logicamente, encarregado de guardar a bola; e a do Paraense, que salvo engano formou com Antonio Canto, Mauro, Jonathas, Danilo, Hilário, Zé do Pisa, Branco, Reinaldo, Pica-pau, Norberto e Hubert.                        

Esse acontecimento futebolístico mereceu marcação do campo pelo Cabanela e torcida organizada, sendo mascote da equipe do Mariano, o cachorro “Bigurrilho”, que era amigo inseparável do Eládio Galúcio e não dispensava um picolé.

Ao final da partida, o juvenil do Mariano venceu por 2x1, com gols de José Roberto e deste “craque”, que ora faz à narrativa, tendo descontado para o paraensinho o Hubert Figueiredo (Betão). Para variar o árbitro foi o Charão.

Após a partida fomos comemorar com uma rodada de picolé no Bar do “Seu Jacinto” - lá na ladeira do Mercado - tudo pago pelo “cartola” João José Brasil - e, na volta, ao passarmos pelo Colégio São José, as alunas internas perguntaram: Quem ganhou o jogo?. O Merunguinha fazendo pose e pausa no picolé respondeu: “nôsco”.

Lembro, ainda, do 1º Torneio Aberto do Interior, organizado pelo Prefeito Haroldo Tavares, em que esteve reunido num final de semana em Óbidos, um considerável número de equipes de futebol, entre elas a do Botafogo do Matá, com o seu uniforme listrado de verde e branco, que pela divulgação feita pelo Evaldo Martins, no alto-falante instalado no Estádio “General Rego Barros”, formou com: Manicuera, Panca, Paricatuba, Bebe Cardo e Pé de Varsa, Chico da Preta e Nozinho, Manga-Verde, Pitiu, Barro-Quente e Caiçara. Segundo recente pesquisa feita pelo Every Aquino esse esquadrão ainda contava na reserva com: Geréua, Enxuga-Gelo e Vara de Apanhar Pecado (goleiro). Na dúvida, com a palavra o meu primo Célio Simões arquivo vivo desses “causos” acontecidos na Terra Pauxis.

A decisão foi para os pênaltis, que foram cobrados na trave que ficava para o lado da Rua Justo Chermont. Encarregado de uma das cobranças, e com aquele pezinho maneiro, o Paricatuba chutou a bola para as nuvens. Explicação do próprio: “o sortaque do meu chute é só de longe”.

Depois desse passeio pelos tempos idos, constato que o compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues tinha razão, quando disse em sua composição que: “O pensamento parece uma coisa à toa, mas como é que a gente voa, quando começa a pensar...”, e tudo isso me permite recordar o meu saudoso pai, que ao se referir ao meu irmão Eduardo Henrique e a mim, quando alguém nos procurava em casa, dizia em tom de gracejo: “o Geraldo e o Eduardo moram no campo do Quartel. Eles apenas comem e dormem aqui.”.

Meu pai há muito partiu para a eternidade, mas tudo que é revivido pelos registros da memória, se nos apresenta como que acontecido recentemente, afinal, penso que a saudade entre as pessoas que se amam é proporcional ao forte amor que as unem e a grande “distância” que as separam. Acho que na eternidade deve ser assim também.

Hoje, casado, pai de dois filhos, já com os cabelos grisalhos, aposentado, faço uma reflexão sobre a vida, com o mesmo pensamento lá do início: “...como o tempo passa!”.

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